À Manoel de Barros
Parou diante de mim com uma pedrinha em uma das mãos. Carregava-a com um cuidado de vidas. Parou diante de mim e colocou-a na altura do cardíaco com as mãos a abraçarem a pedra. Levou-a aos lábios, beijou-a, depois, aproximou-a rente ao ouvido esquerdo. Fez: shhh, escuta. Estava já em silêncio, que aumentou um tanto mais, depois que me pediu para escutar. Não ouvi nada, mas ele pareceu ter percebido algum som, pois me abriu um sorriso gigantesco. E perguntou: você ouviu? Ouviu? E eu sorri de volta, sem conseguir responder-lhe, pois, envergonhada da minha condição de não ouvir, também não pude dizer que sim, pois seria mentira. Ele aproximou a pedrinha na altura do meu cardíaco e pediu que eu a segurasse e entregou-me com zelo. A pedra tinha o tamanho de uma formiga. Pediu que eu a beijasse depois pusesse próximo ao ouvido. O fiz. Beijei-a, e aproximei-a ao ouvido. Nós dois em silêncio. Até que ele abriu um sorriso esperançoso e curioso e perguntou se eu estava ouvindo. Você ouviu? Desejei escutar com tanta força que esqueci de ouvir. E o meu silêncio fez com que ele segurasse a mão que estava a pedrinha, como se para me dizer que iria me ajudar a ouvir e disse: presta atenção, vai ser muito rápido, tá preparada? Eu disse que sim. E como num estalo, ele avisou: passou. Entristeci-me, havia perdido a oportunidade de ouvir. Percebendo a minha decepção, ele se aproximou ainda mais de mim e disse: mamãe, precisa prestar muita atenção. Aprendi que o ouvir nunca vem acompanhado de voz e que precisava ser mais atenta às grandezas do ínfimo. Quando íamos embora, beijou a pedrinha, colocou-a na altura do coração novamente e acolheu-a ao chão, próximo a um raminho de planta. Não queria levá-la e mais tarde me disse o motivo: para que a plantinha pudesse escutar o que ele escutou. E o que você ouviu? Perguntei. Ele me respondeu: Mamãe, eu não posso dizer, é segredo de segredo. Outro dia retornei ao lugar, pus a pedrinha rente ao coração, beijei-a e aproximei-a ao ouvido, pensando “faz-me ouvir, faz-me ouvir”. Enquanto que uma lufada de vento soprou dentro de mim e pude compreender. Há grandezas que não se chegam às palavras. O que ouvi encheu meu coração de silêncio. E amor.
{Hoje completa um ano que escrevo para este jornal. Sou grata aos que me leem e sou grata pela oportunidade de aqui publicar o meu trabalho}.
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